As alterações voltadas as resoluções contratuais das promessas de compra e venda nas incorporações imobiliárias.
Ao adquirir um imóvel na planta, o adquirente se sujeita a um negócio complexo que demanda planejamento financeiro e sobretudo visão de futuro.
Quando se compra um imóvel na planta, compra-se na verdade, uma ideia, uma expectativa, uma promessa de aquisição. Neste momento a construtora ou o incorporador compromete-se, mediante pagamento de contraprestação, a construir determinado imóvel, com metragens e especificações que por enquanto só existem no plano das ideias.
Por outro lado, o adquirente se compromete a pagar as prestações mensais com os acréscimos, juros e encargos propostos contratualmente, com o claro objetivo de ao final ser o proprietário da sua tão sonhada casa própria.
O que muita gente não pensa é que em um período de 1, 2, 3, ou 5 anos (tempo em que durar a obra) muitas coisas podem acontecer, sejam positivas ou negativas. Então é bem possível que neste meio tempo o adquirente reúna condições de quitar antecipadamente as avenças do contrato ou enfrente turbulência que o impossibilite continuar com o negócio.
E é aí que surge o famoso “distrato imobiliário”, hoje regulado pela lei 13.786/18 que entrou em vigor no último dia 27.12.2018.
Trata-se, na verdade, da resolução da promessa de compra e venda por culpa de uma das partes, a qual não reúne mais interesse ou condições de manter o contrato firmado.
O fato é que 95% (noventa e cinco por cento) das pessoas que firmam estes negócios – número fantasioso que não é tão fantasioso assim – não fazem ideia do tamanho das consequências destas resoluções contratuais.
É por isso que mais uma vez estou aqui escrevendo este artigo para você caro (a) leitor (a), para te ajudar a escapar desta verdadeira cilada imobiliária.
AS CONSEQUÊNCIAS DA RESOLUÇÃO CONTRATUAL ANTES DA LEI 13.786/18:
Primeiramente quero esclarecer porque optei por utilizar a terminologia “resolução” e não “distrato”. O “distrato” também se refere a uma modalidade de rompimento contratual, mas que exige um acordo de vontades entre as partes signatárias.
A “resolução”, por sua vez, refere-se ao rompimento contratual em razão da culpa exclusiva de um dos contratantes, seja em razão da inadimplência, seja pelo fato da falta de interesse de prosseguir com o pacto.
Assim, quando o adquirente, por exemplo, não consegue honrar as parcelas da promessa de compra e venda, ocorre a resolução do contrato e não o distrato.
Antes da Lei 13.786/18 o que existiam eram teses jurisprudenciais que norteavam as resoluções destas promessas de compra e venda. Basicamente, em resumidas e em simples palavras, quando havia a resolução contratual, a incorporadora ou a construtora (promitente vendedor) ficava obrigada a restituir a quantia paga pelo promitente comprador, podendo reter a título de multa cerca de 10% a 25% do valor desembolsado, mais os gastos dispendidos com a administração do imóvel e impostos.
O Superior Tribunal de Justiça firmou seu entendimento exatamente neste sentido, como se pode notar pelo recente julgado do Agravo Interno em sede de Agravo em Recurso Especial sob a relatoria do ínclito Ministro Marco Aurélio Bellizze, da Terceira Turma, veja-se:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DISTRATO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. RETENÇÃO FIXADA EM 10%. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. REVISÃO DO ENTENDIMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. ANÁLISE DE CLÁUSULAS E REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. DESCABIMENTO. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência consolidada nesta Corte Superior é no sentido de que, em caso de resolução do compromisso de compra e venda por culpa do promitente comprador, é lícita a cláusula contratual prevendo a retenção de 10% a 25% dos valores pagos. 2. O Tribunal a quo, com base na análise das peculiaridades da presente demanda e das cláusulas contratuais, fixou a retenção em 10% dos valores adimplidos, de modo que o reexame é medida inadmissível nesta instância extraordinária, nos termos das Súmulas n. 5 e 7 do STJ. 3. Agravo interno desprovido. AgInt no AREsp 1359159/ES, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/03/2019, DJe 22/03/2019
Assim, com o entendimento firmado pela Corte Superior, os Tribunais regionais seguiam a mesma linha de ideias, como se pode abstrair das súmulas 1 e 2 do Tribunal de Justiça de São Paulo, in verbis:
Súmula 1: O Compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.
Súmula 2: A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição.
Então, na ausência de regulamentação legal, a jurisprudência pacificada entendia que nos casos de resolução imobiliária, o promitente vendedor era obrigado a devolver o valor pago pelo promitente comprador, podendo reter até 25% do valor cobrado, mais despesas com administração e impostos, de uma única vez, inadmitindo o parcelamento.
CONSEQUÊNCIAS DA RESOLUÇÃO APÓS A LEI 13.786/18:
Com o advento da Lei 13.786/18, o art. 67-A foi incluído na lei de incorporações (Lei 4.591/64) trazendo consigo consequências nefastas ao promitente comprador que pretende resolver a promessa de compra e venda.
O art. 67-A da Lei 4.591/64, permite que o promitente vendedor (construtoras e incorporadoras) retenha a título de multa o percentual de até 25% do valor efetivamente pago nos casos em que o empreendimento não contar com patrimônio de afetação e, pasmem, 50% nos casos em que o empreendimento contar com o patrimônio de afetação, mais condomínio, contribuição associativa, impostos, comissão de corretagem e taxa de ocupação.
A chamada taxa de ocupação consiste na cobrança de 0,5% (meio por cento) ao mês sobre o valor total do contrato e não sobre o valor efetivamente pago. Repito, a base de cálculo, diferentemente das outras deduções, é o valor total do contrato e não daquilo que foi pago (art. 67-A, § 2º, inc. III, da Lei 4.791/64).
À titulo de exemplo: Imóvel vendido por R$ 200.000,00 terá como taxa de ocupação mensal o valor de R$ 1.000,00 ao longo de todo o período em que o promitente comprador usufruiu do imóvel.
“Ah, mas eu estou tranquilo … paguei só duas parcelas e o contrato foi resolvido, então vão reter estas coisas até o limite das duas parcelas que paguei. Não tem problema, saio no zero a zero, mas pelo menos não saio devendo nada e perco pouca grana.”
Não quero desanimá-lo, mas você está apenas meio certo.
Isto porque, o § 4º do art. 67-A da Lei 4.591/64 de fato impõe limite as deduções até o valor efetivamente pago, entretanto, ressalva a hipótese da taxa de fruição ou taxa de ocupação.
Isso significa que se no exemplo acima o adquirente pagou apenas duas parcelas, mas ocupa o imóvel há mais tempo do que isso, pagará pela taxa de ocupação correspondente a integralidade do período que ocupou, pouco importando o valor que tenha efetivamente pago.
Logo, pode sair devendo para a construtora ou a incorporadora? Pode!
E fique tranquilo que não para por aí.
O art. 67-A em seu § 5º, ainda determina que se a incorporação estiver sujeita ao regime do patrimônio de afetação, o valor será pago somente após 30 dias contados a partir da data em que o incorporador tiver acesso ao “habite-se” da obra. Ou seja, somente depois de 30 dias da data em que a obra for finalizada
Pense no caso em que o sujeito compra o imóvel na planta quando do lançamento do empreendimento, com promessa de entrega em 03 anos. Se este sujeito decidir resolver o contrato após o primeiro ano, terá ainda que esperar mais 02 anos para reaver o que lhe é de direito.
Para os casos em que o empreendimento não esteja sujeito ao patrimônio de afetação, o prazo é de 180 dias após a resolução do contrato.
Por fim, depois de tantas notícias horrendas, deixe-me amenizar a situação dizendo que ao menos uma coisa permaneceu nesta modalidade, quer seja, a impossibilidade de parcelamento da devolução da quantia.
DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA E DA APLICAÇÃO DA LEI 13.786/18:
Assim como o Código Civil de 2002, a Lei 13.467/17 e tantas outras, a Lei 13.786/18 surtirá efeitos e será aplicável somente aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, quer seja, após 27.12.2018.
Esta é a exegese do princípio da irretroatividade da norma esculpido no art. 6º da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, o qual dispõe que a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
Nesta senda, as promessas de compra e venda anteriormente celebradas não poderão ser atingidas pela Lei 13.786/18, vez que configuram verdadeiros atos jurídicos perfeitos já consumados.
Embora a lei seja extremamente nova e o período de vigência seja muito curto para formulação de um entendimento jurisprudencial, me parece que esta será a interpretação a ser utilizada pelos Tribunais.
Neste sentido destaca-se aresto recente do Tribunal de Justiça de São Paulo proferido pela 6ª Câmara de Direito Privado, sob a relatoria da preclara Desembargadora Ana Maria Baldy, veja-se:
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – RESCISÃO CONTRATUAL – Dificuldades financeiras dos autores/apelados que, todavia, não deixaram de honrar com as obrigações contratuais. Devolução dos valores pagos, com retenção de 20%. Abusividade da cláusula contratual que dispunha sobre retenção superior de valores. Lei nº 13.786/18 (Lei do Distrato) inaplicável ao caso – Juros de mora que incidem apenas após o trânsito em julgado. Promitente vendedora que não deu causa à rescisão – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. TJ-SP – AC: 10090876120178260003 SP 1009087-61.2017.8.26.0003, Relator: Ana Maria Baldy, Data de Julgamento: 16/04/2019, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/04/2019
Portanto, em razão do chamado tempus regit actum e em razão da natureza material do novel diploma, entende-se que as promessas celebradas anteriormente ao dia 27.12.2018 continuam sujeitas ao entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e para São Paulo, as súmulas 1 e 2 do Tribunal bandeirante.
CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Diante de tamanhas modificações, além daqueles cuidados que já mencionei em outro artigo, o promitente comprador precisa se ater a estas consequências da resolução contratual.
Comprar um imóvel exige planejamento, ainda mais pelo fato de que a maioria das pessoas compram de forma parcelada, através de financiamentos extensos à perder de vista.
Quando alguém se compromete a um negócio jurídico com lapso temporal gigantesco (ex: financiamento de 360 meses), as chances da situação jurídica inicial se alterar é tão grande quanto a extensão das parcelas, em razão da ordem natural das coisas.
Por isso é tão importante ter a visão de futuro que falava no começo deste artigo. Tenha sempre um plano B, tenha sempre uma saída, tenha sempre um fundo de reserva ou fundo de emergência, afim de evitar que o maior negócio da sua vida vire o maior prejuízo da sua vida.
Sabemos que nem sempre nossa vida financeira é totalmente estável ao ponto de conseguir honrar todos os compromissos do mês, mas deixe-me te dar um conselho de amigo, se você tiver que optar em pagar uma ou outra conta, opte sempre pela parcela do seu financiamento imobiliário.
Veja, não estou tentando agindo em defesa das construtoras, incorporadoras ou dos bancos financiadores, mas sim em sua defesa consumidor. Isto porque, uma vez devedor de parcelas imobiliárias, seja em razão do art. 67-A da Lei 4.591/64, seja em razão da lei das alienações fiduciárias, sua vida virará de pernas para o ar.
Então, se hoje, 18/04/2019, pretende firmar um contrato com uma construtora ou com uma incorporadora, busque imediatamente o apoio de um advogado especialista em Direito Imobiliário, porque fazendo isso eu aposto que você terá muito menos dores de cabeça futuramente.
Grande abraço do seu amigo Dr. Leonardo!