Cuidados com as características do imóvel e com a pessoa do vendedor
1 – Introdução
Vivemos em um país onde a maioria da população sonha com a tão sonhada casa própria. É natural, faz parte da cultura brasileira que o indivíduo cresça, se forme, constitua uma família e por fim adquira sua casa, seu apartamento.
E veja não há o menor problema nisso. O problema mora na verdade nos riscos que envolvem as transações imobiliárias, especialmente nas vendas e compras que não são devidamente instruídas.
É que muitos para concretizar o seu tão sonhado projeto imobiliário, reúne suas economias de uma vida inteira de trabalho, de batalha, de suor, e as aplicam inteiramente naquele negócio.
Então imagina se isso dá errado? Imagine leitor (a) se esta pessoa descobre que foi vítima de um golpe, de um estelionatário e perde absolutamente todas as suas economias, até as miseras migalhas.
Para grande parte da população adquirir um imóvel não é uma tarefa fácil, exige esforço, anos e anos de trabalho, abdicação de prazeres e afins, de modo que não parece justo transformar o sonho em pesadelo.
É por isso que, acredite ou não, ao pensar em comprar um bem imóvel não hesite em procurar o auxílio de um advogado especializado no ramo imobiliário, porquanto isso garantirá a segurança que precisa para fechar o negócio.
Mas como o objetivo é disseminar informação e levar o direito de forma facilitada à todos, sendo do mundo jurídico ou não, vou abaixo listar algumas cautelas que você deve adotar ao firmar negócios de compra e venda.
2 – DAS CAUTELAS NA AQUISIÇÃO DE IMÓVEL
2.1 – Da análise quanto ao imóvel objeto do negócio
2.1.1 – Certidão de matrícula atualizada
Todo imóvel possui ou deveria possuir um documento chamado “certidão de matrícula”, disponível para qualquer pessoa no cartório de imóveis da circunscrição do imóvel.
E o que é e para que serve? Costumo comparar a certidão de matrícula com a nossa cédula de RG, porque assim como nossa carteira de identidade, a matricula traz todas as principais características do imóvel, como medidas, confrontações, proprietário (s), etc. Pode ainda ser comparada a um prontuário médico, já que ali você encontrará absolutamente tudo que um dia envolveu aquele bem, ou seja, o seu histórico.
E porque é importante observá-la no momento da compra? Por várias razões, mas vou listar algumas.
Veja, somente ali você terá como saber se está comprando de fato do proprietário, porquanto proprietário é só quem detém o domínio registral, ou seja, quem está registrado na matrícula como tal.
Além disso, com a matricula você terá a certeza de que o imóvel não possui direitos reais ou constrições que restrinjam o seu direito de propriedade futuramente. Por exemplo, se o imóvel possuir uma servidão de passagem, tal servidão estará averbada na matricula e você como comprador (a) terá que futuramente respeitar aquele direito real ali instituído.
Pela matrícula, você comprador (a) ainda poderá verificar se há ou não garantias que recaem sobre aquele imóvel. Por exemplo, uma hipoteca ou uma alienação fiduciária.
Com a matricula, terá ainda a certeza de que aquele imóvel é individualizado, que não pertence a área passível de desmembramento ou desdobro ou ainda que jamais foi objeto de desapropriação de órgão público.
Enfim, poderia citar aqui uma infinidade de situações que são denunciadas pela matricula e que se não observadas podem causar transtornos inimagináveis para quem compra.
Entende agora a importância? Portanto, se vai comprar um imóvel não deixe de retirar a certidão de matrícula atualizada daquele bem.
2.1.2 – Certidões negativas de débitos municipais, débitos condominiais e contas de consumo
Sabe aquela história “não fui eu quem fiz a dívida então não sou obrigado a pagá-la”? Aqui não é bem assim que funciona.
O art. 677 do Código Civil de 1916 trazia consigo a seguinte disposição: “O ônus dos impostos sobre prédios transmite-se aos adquirentes, salvo constando da escritura as certidões do recebimento, pelo fisco, dos impostos devidos”.
Embora o novel diploma civil não tenha mantido a redação do art. 677 do código de 16, os princípios que regem o tema permanecem intactos até os dias atuais, assim como ensina o Professor Luiz Antônio Scavone Júnior, em sua obra “Direito Imobiliário Teoria e Prática”, 13ª edição, Editora Forense, Pág. 782 :
“Isso significa que o ônus de impostos incidentes sobre o imóvel constitui uma obrigação propter rem (própria da coisa) e isso permanece no novo Código Civil, tendo em vista que os princípios são os mesmos.
Não será este ou aquele que deverá responder por este ônus e, sim, o próprio imóvel.”
Ou seja, se acautele em verificar as dívidas de IPTU do imóvel, retirando no ato da compra as respectivas certidões negativas de débitos municipais, sob pena de responder futuramente pelo adimplemento do imposto predial, ainda que contraído antes da aquisição do bem.
A mesma sistemática funciona para os casos de débitos condominiais.
A lógica é bem simples, estas dívidas são consideradas acessórias e seguidoras do principal, logo, seguem o imóvel independentemente de quem seja seu proprietário ou possuidor.
Desta forma, faça uma pesquisa junto a administradora do condomínio e peça uma certidão negativa, evitando assim ser surpreendido mais a frente por uma dívida que não contraiu, mas que mesmo assim será obrigado a pagar.
No que tange as contas de consumo, embora ainda haja divergência de entendimentos, a jurisprudência majoritária não adota a natureza propter rem à estes débitos, assim como se extrai dos arestos abaixo relacionados do Tribunal de Justiça de São Paulo: (TJ-SP: APL: 4026733-88.2013.8.26.0224, 25ª Câmara de Direito Privado; TJ-SP: APL: 0016241-08.2012.8.26.0009, 35ª Câmara de Direito Privado).
2.1.3 – Certidão negativa de imóvel enfitêutico
Incomum, mas ainda existente, a enfiteuse também merece nossa atenção. É evidente que o Código Civil de 2002 aboliu esse direito real, mas aqueles terrenos de marinha regidos pelo Decreto-lei 9.760/46, aqueles imóveis sujeitos à enfiteuses instituídas durante a vigência do código de 16, além de outras áreas da união ainda estão sujeitos a tal regime.
Sendo assim, se faz necessário que o (a) comprador (a) se atente a existência de débitos de laudêmio e foro, pois assim como o IPTU, tais débitos acompanham o imóvel e serão exigidos independentemente de quem seja o enfiteuta.
2.2 – Da análise quanto a pessoa do vendedor
Leitor (a), engana-se quem acha que nas relações de venda e compra de bem imóvel basta a análise dos elementos que envolvem propriamente o imóvel. É extremamente necessário que seja feita uma pesquisa minuciosa sobre a pessoa do vendedor.
Para que a pesquisa seja completa, além dos documentos pessoais do vendedor, algumas certidões negativas são imprescindíveis para garantia do negócio, senão veja-se:
2.2.1 – Das certidões negativas de tributos com a Fazenda Pública, das certidões de feitos cíveis e criminais e das certidões das pessoas jurídicas
O art. 789 do Código de Processo Civil dispõe:
“O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações”.
Na mesma esteira, é a disposição do art. 391 do Código Civil:
“Pelo inadimplemento das obrigações, respondem todos os bens do devedor”.
Assim, quando alguém deve para outrem e torna-se insolvente pela venda de um imóvel, configura-se aqui uma fraude, a chamada “fraude contra credores”.
O comprador, por sua vez, se não se acautela, se não toma providências para garantir que não está colaborando com uma fraude contra terceiro credor, não pode ser considerado terceiro de boa-fé e neste ponto não pode ser protegido pela lei.
Em outras palavras e esquecendo o juridiquês, caso você caro amigo (a) compre imóvel de um caloteiro e não tome o cuidado de tirar as certidões negativas no momento da compra, sinto muito, o seu negócio será declarado nulo.
Semelhantemente, se alguém compra imóvel de outrem que já esteja sofrendo uma execução judicial, como por exemplo uma execução fiscal, execução de título executivo judicial, etc., haverá a chamada “fraude a execução”.
Veja, a fraude contra credores é instituto de direito material enquanto que a fraude a execução pertence ao mundo processual, mas ambas possuem a força para ceifar o negócio celebrado.
Ressalto que ambos institutos são extremamente mais complexos do que as descrições dos três parágrafos anteriores, mas não são o escopo do presente artigo, de modo que você só precisa saber que existem e que deve evita-los a todo custo.
E para tanto, algumas são as certidões exigidas: a) certidão negativa de tributos municipais, estaduais e federais; b) certidão negativa de protestos e de inscrições negativas em órgãos de proteção ao crédito; c) certidão negativa vintenária de feitos distribuídos cíveis e criminais na justiça estadual e federal; d) certidão negativa de feitos trabalhistas e certidão negativa de inscrição no BNDT;
Se empresário: a) mesmas certidões anteriores das pessoas dos sócios; b) mesmas certidões anteriores da pessoa jurídica; c) certidão negativa do FGTS; certidão negativa do INSS.
E neste momento você deve estar pensando: “Meu Deus, tudo isso?” Sim, tudo isso, sem abrir mão de absolutamente nada!
Em síntese é o seguinte, quanto a pessoa do vendedor é preciso observar a veracidade das suas informações pessoais e a sua saúde financeira, porque como já dito, se for devedor na praça o seu negócio corre eminente risco de configurar fraude, seja contra credores, seja a execução e aí meu caro, de todo jeito você fica sem o imóvel.
3 – Conclusão
As cautelas acima especificadas são extremamente necessárias para garantir a incolumidade e a segurança da compra e venda para ambos os signatários, mas especialmente para o comprador.
Pense que é muito melhor empregar tempo para emissão de todos estes documentos antes de celebrar o negócio do que ter que empregar tempo para tentar defender seu direito na justiça depois de já celebrado.
Depois disso, entenda de uma vez por todas que é melhor investir no apoio de um advogado especialista na área para a realização de uma advocacia consultiva e preventiva garantindo a segurança do negócio, do que ter que investir em honorários em uma advocacia contenciosa posteriormente, já que, vai por mim, sai bem mais caro.
Assim, espero que cultive seu sonho, empregue esforços necessários, batalhe e conquiste o investimento necessário para que conquiste sua casa própria, mas espero ainda mais que no momento em que for realizar seu sonho, coloque o cinto de segurança e o faça com cuidado.
Grande abraço do seu amigo, Dr. Leonardo.